A PANDEMIA E A POSSIBILIDADE DE REVISÃO DOS CONTRATOS-UMA ANÁLISE À LUZ DA TEORIA DA IMPREVISÃO
No início do mês de janeiro de 2020 o mundo começou a receber as primeiras notícias do surgimento de um novo vírus na região de Wuhan na China, vírus este que rapidamente se alastrou mundo afora a ponto de ser decretada pandemia pela Organização Mundial da Saúde- OMS, o que alterou de forma drástica as relações privadas e a economia mundial.
Desde então, com as recomendações de isolamento social (quarentena) em todas as regiões do país e praticamente em todo mundo, inúmeras empresas sofreram forte impacto financeiro em suas atividades, sem que seja possível mensurar, até o momento, qual será o real impacto na economia e no mercado de trabalho. De toda forma, embora não se possa prever com precisão as consequências econômicas causadas pela pandemia, parece consenso que o impacto causará um inevitável desequilíbrio nas relações contratuais.
No
campo das relações do trabalho, por exemplo, reconhecendo a importância da
manutenção dos empregos e a necessidade das empresas de se adequarem à nova
realidade, o Governo Federal editou decretos flexibilizando normas da CLT, lançando
pacotes econômicos entre outros, tudo isso diante da imprevisibilidade
provocada pela pandemia.
Na esfera privada, inúmeros contratos foram firmados em uma situação de normalidade
ou previsibilidade econômica e, agora, com a alteração abrupta do cenário, dúvidas
não restam que haverá grande desequilíbrio nas relações contratuais. É nesse
sentido que suscitamos um instituto do direito civil denominado pela doutrina
como “teoria da imprevisão”, adotada pelo Código Civil nos arts. 478 e 479 para
readequação contratual, vejamos;
“Art. 478.
Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das
partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em
virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor
pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar
retroagirão à data da citação.
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.”
A teoria da imprevisão surgiu como forma de mitigar outro instituto das relações privadas denominada pacta sunt servanda, que, traduzindo para o bom português, nada mais é do que “o contrato faz lei entre as partes.” Sintetizando, independente do que fora pactuado entre as partes e do contrato fazer lei entre elas, caso haja um fato posterior que torne o contrato excessivamente oneroso, com extrema desvantagem para uma das partes, em virtudes de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pleitear a resolução do contrato ou a modificação das cláusulas como forma de devolver o equilíbrio contratual, o que se mostra a medida mais adequada a nosso ver.
Sobre o assunto leciona o ilustre civilista Cristiano Chaves de Farias[1]:
“Ao disciplinar a excessiva onerosidade
superveniente, o legislador procurou dar resposta ao problema da alteração das
circunstâncias. Quer se explique a resolução do contrato por se considerar
subentendida a cláusula rebus sic stantibus, quer pela teoria da imprevisão, ou
da base do negócio, a verdade é que, no direito contemporâneo, a alteração
radical das condições econômicas dentro das quais o contrato foi celebrado tem
sido considerada uma das causas que, com o concurso de outras circunstâncias,
podem determinar a sua resolução ou revisão.”
A referida teoria é largamente estudada na
esfera acadêmica e, até então, nunca se visualizou tão claramente sua possibilidade
de aplicação no caso concreto quanto agora com as severas consequências
econômicas provocadas pelo coronavírus. Os tribunais pátrios ao analisarem
casos concretos fundados na referida teoria, tomam por base como fator
principal se o fato que fundamenta a aplicação era ao tempo da contratação
realmente imprevisível ou era possível se prever, apesar dos riscos advindos
das relações.
Podemos imaginar, por exemplo, uma grande
indústria que semanas antes do estouro da pandemia pactuou um contrato de
locação de uma enorme área para instalação de seu parque industrial. Poderia a referida
indústria pleitear a resolução do contrato ou a pactuação de novas condições de
forma a trazer de volta o equilíbrio contratual? Pensamos que sim. Da mesma
forma, contratos bancários, de compra e venda, franchising entre outros poderão
ser revistos caso a imprevisibilidade traga para uma das partes uma onerosidade
excessiva do contrato.
Em um primeiro momento, o que estamos
observando na prática é a tentativa de renegociação de inúmeros contratos
visando sua resolução sem aplicação de multas, o que muitas vezes não vem sendo
aceito pela parte contrária que se sente prejudicada pelo rompimento e exige o
pagamento da cláusula penal.
De toda sorte, embora não se possa
calcular com precisão qual será o impacto na esfera econômica causada pela
pandemia, dúvidas não restam que haverá um grande abalo na esfera econômica
global. Economistas mais céticos estimam que o mundo presenciará o maior
impacto financeiro já visto pela humanidade considerando um cenário de economia
globalizada, com modificação drástica nas relações de consumo e impossibilidade
de cumprimento dos contratos nos moldes avençados em momento anterior à
pandemia.
Por fim, os efeitos gravosos provocados no
meio social pelas modificações bruscas das relações comerciais e de consumo, de
modo a impossibilitar o cumprimento total ou parcial dos contratos traz à luz a
necessidade da invocação da teoria da imprevisão como nunca visto antes, um
instituto que certamente será utilizado em larga escala no poder judiciário
para trazer de volta o equilíbrio contratual entre as partes e a pacificação
social.
[1]
Farias, Cristiano Chaves de Curso de direito civil: contratos – teoria geral e
contratos em espécie / Cristiano Chaves de Farias; Nelson Rosenvald. – 5. ed. –
São Paulo: Atlas, 2015. – – (Coleção direito civil; v. 4) pág 219
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